Cartas a um jovem escritor
Adelto Gonçalves (*)
I
Quem procurar saber quem foi Carlos Magalhães de Azeredo (1872-1963) na
história da Literatura Brasileira, dificilmente, haverá de encontrar referências
mais aprofundadas. Afrânio Coutinho em Brasil e brasileiros de hoje
(Rio de Janeiro, Sul-Americana, 1961) e Raimundo de Menezes em Dicionário
Literário Brasileiro (Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1978)
citam-no e no portal digital da Academia Brasileira de Letras pode-se encontrar
uma breve biografia. Foi um dos fundadores da Casa e o acadêmico que mais tempo
ocupou sua cadeira: 66 anos.
Ainda que tenha tido vida longa e publicado uma série de livros – pelo menos
17, de poemas, ensaios, contos e estudos – e imaginado tantos outros que, ao
que parece, não vieram à luz, esteve, nos últimos 50 anos, completamente
esquecido. A última vez que seu nome foi citado com destaque nos jornais foi em
2003, quando o ex-presidente Itamar Franco, então ocupando o cargo de
embaixador do Brasil em Roma, entregou à Academia Brasileira de Letras
originais do autor que encontrara entre os papeis da Embaixada.
De família abastada, nascido no Rio de Janeiro, Azeredo fizera os primeiros
estudos no Porto, antes de retornar ao Brasil, morando em Itu, onde fez os
estudos complementares, antes de ingressar na Faculdade do Largo de São
Francisco, em São Paulo, pela qual se formou em Direito, em 1893. Dois anos
depois, ingressou na vida diplomática, tendo ocupado vários cargos no exterior
– no Uruguai, na Itália, em Cuba e na Grécia –, até que encerrou a carreira
como representante do Brasil no Vaticano em 1934. Por um tempo, exilou-se em
Paris, voltando a Roma, cidade de sua predileção.
De estilo caudaloso, para abrir caminho nos meios literários, valeu-se
principalmente da amizade com Machado de Assis (1839-1908), com quem trocou
cartas desde a precoce idade de 17 anos, embora o destinatário das epístolas já
tivesse a essa altura mais de 50 anos e fosse nome consagrado nas letras. É
provável que relações familiares os tenham aproximado, pois Machado conhecera
bem os pais de Azeredo, como se percebe a partir da leitura das cartas que
trocaram por 19 anos, até a morte do autor de Dom Casmurro.
Ao contrário do que vaticinava Machado de Assis, Azeredo, embora tenha tido
também intensa atuação da imprensa brasileira, foi sendo pouco a pouco
esquecido e, praticamente, não exerceu influência nos meios literários
brasileiros, ainda que nunca tenha deixado de praticar a política literária, já
que a sua morada em Roma transformou-se em ponto de encontro de intelectuais em
visita ao Velho Mundo. Mesmo depois de se aposentar, continuou morando em Roma,
até a sua morte. Sua poesia manteve-se fincada nos ideais do parnasianismo, o
que deve ter contribuído para o seu esquecimento.
De valioso, o que deixou mesmo foram as cartas que não só trocou com Machado de
Assis como com outros literatos, como Mário de Alencar (1872-1925), filho de
José de Alencar (1829-1877), outro amigo íntimo do bruxo do Cosme Velho, que
hoje fazem parte do acervo da Academia Brasileira de Letras. Por essas cartas,
o pesquisador tem acesso à boa parte da história literária e mesmo do País, em
razão das impressões que os missivistas trocavam. Nas cartas que dirigiu a
Azeredo, Machado de Assis, tal a intimidade entre ambos, fez confidências nunca
registradas em crônicas.
II
Grande parte dessas cartas já havia sido reunida pelo pesquisador
norte-americano Carmelo Virgilio e publicada em 1969 pelo Instituto Nacional do
Livro, mas, agora, é possível encontrá-las nos três tomos de Correspondência de
Machado de Assis, especialmente no III, que abrange o período de 1890 a 1900
(Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2011). A correspondência entre
os dois neste volume reúne 90 cartas e constitui um testemunho precioso de uma
época conturbada bem como do ambiente cultural no Brasil e na Europa. E são as
que oferecem maiores detalhes da vida privada de ambos e do ambiente cultural
em que viviam.
No total, são 292 missivas, entre cartas, bilhetes e cartões, quantidade
superior a toda a correspondência publicada nos tomos anteriores (1860-1869 e
1870-1889), abrangendo 291 documentos. Como observa o acadêmico Sergio Paulo
Rouanet na apresentação, há no tomo III uma participação desproporcional de
Magalhães de Azeredo, nome que já aparecera como responsável por três cartas no
tomo II. A partir de 1892, as cartas de e para Azeredo predominam de modo
avassalador, assinala Rouanet. De fato, até o final de 1900, são 58 cartas de
Azeredo para Machado e 32 deste para Azeredo, ou seja, 30% do total das cartas
reunidas neste volume.
Pouco antes de morrer, Machado de Assis pediu a José Veríssimo (1857-1916) que
devolvesse ao autor os originais das cartas dele recebidas. Mais tarde, Azeredo
doou esse acervo epistolar à Academia, o que explica a sua preservação,
enquanto centenas de outras acabaram por se perder ou talvez resistam no
arquivo de um ou outro colecionador ou alfarrabista. “E eis como um escritor
pouco valorizado hoje em dia chegou à posteridade pelo mero fato de ter tido o
dom de relacionar-se com o maior escritor do Brasil”, observa Rouanet.
III
Não se pode dizer que o estilo e o vocabulário de Azeredo ficassem muito aquém
das qualidades do mestre, mas, como diz Rouanet, o que ressalta é a alta conta
em que o jovem escritor se tinha, o que contrasta com a “sábia e calculada
modéstia” de Machado. Sem contar que o jovem Azeredo fazia incontáveis
exigências e reclamações, encarregando Machado de Assis de negociar condições
com editores do Rio de Janeiro para a publicação de suas obras. É verdade que
Machado, em suas respostas, também estimulava o ego do jovem poeta,
augurando-lhe um futuro brilhante no olimpo das letras nacionais que, aliás,
nunca se deu. Além disso, está claro que a entrada de Azeredo na Academia
deu-se apenas pela força política do padrinho.
Se as cartas de Machado de Assis são mais sóbrias e mais burocráticas, as de
Azeredo compõem um painel variado da época, pois ele fala de tudo o que o
cerca, da política brasileira e dos países pelos quais passa ou vive
temporariamente, descendo a detalhes mundanos, talvez para dar ao mestre uma
visão mais próxima daquilo que ele conheceria apenas por ler ou ouvir falar –
até porque o mestre, quando saiu do Rio de Janeiro, o foi por poucos dias e
para passeios por lugares próximos.
Das cartas de Machado de Assis, entre muitas confidências, ressalta a avaliação
que faz de Eça Queirós (1845-1900) em carta a Azeredo no começo de 1898, ao
dizer que começara a ler A Ilustre Casa de Ramires seguido de um comentário
elogioso, o que significa uma alteração substancial na apreciação que fizera da
obra de Eça em 1878, a propósito da publicação de O Primo Basílio, como
assinala Sílvia Eleutério numa nota de rodapé.
Aliás, além da exaustiva apresentação de Rouanet, que ocupa 27 páginas, vale
destacar não só o trabalho de edição e organização de Sílvia Eleutério e Irene
Moutinho como as notas explicativas que apuseram às cartas, trabalho minucioso
de pesquisa e contextualização que facilita sobremaneira a vida do leitor deste
século XXI, já tão distante de fatos que ocorreram há mais de um século.
Não se pode dizer que só as cartas a Azeredo tenham importância neste volume,
mas são as que merecem mais destaque, como aquelas em que Machado de Assis
reclama das vicissitudes por que passava como funcionário público ou ainda se
defende um ataque despropositado que Sílvio Romero (1851-1914) fizera num
estudo publicado em livro cujo título era o próprio nome do romancista seguido
de um subtítulo – Estudo Comparativo de Literatura.
Machado sentiu o golpe, mas logo se consideraria refeito, com algumas respostas
que sairiam na imprensa, especialmente quatro artigos publicados no Jornal do
Commercio no começo de 1898 pela pena de um tal de Libieno, pseudônimo que
escondia o nome do advogado e político Lafaiete Rodrigues Pereira (1934-1917),
o conselheiro Lafaiete, a quem no passado o próprio Machado havia feito alguns
ataques. Foi o que motivou uma carta de agradecimento a Lafaiete, embora a ação
do advogado não fosse tão altruísta assim, pois aproveitara a ocasião para
desancar Sílvio Romero, um velho desafeto. Para quem gosta destas questiúnculas
perdidas no tempo, este livro é especialmente saboroso.
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CORRESPONDÊNCIA
DE MACHADO DE ASSIS, tomo III – 1890-1900. Coordenação e orientação: Sergio
Paulo Rouanet, reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e Sílvia
Eleutério. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2011, 658 págs., R$
50,00.
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho,
2003), entre outros.
Leio sempre os seus textos, pois muito me agrada suas dicas literárias, só agora estou iniciando a minha, com contos, sou o jairo de literácia, coincidentemente estou lendo agora a vida de Machado de Assis e encantado com sua prosa, poesia e o que ele representou pra nós. Abrs. jairo
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