Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo *

sábado, outubro 08, 2011

LETRAS- Vou-me embora de mim é uma condensação dos principais livros do poeta português Joaquim Pessoa




            O verso livre de Joaquim Pessoa



                                                                                                                                           Adelto Gonçalves (*)    

                                                                           I

                Vou-me embora de mim é uma condensação dos principais livros do poeta português Joaquim Pessoa (1948) preparada pelo filólogo Vadim Kopyl, doutor em Filologia Românica e diretor do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, e publicada em edição russo-portuguesa pela Alexandria Publishing &Humanities Agency daquela cidade que é a capital cultural da Rússia. A tradução dos poemas coube a não só a Vadim Kopyl como a Andrei Rodosski e Veronica Kapustina.

            Ainda que Joaquim Pessoa seja cultor do verso livre, estilo pouco comum na terra de grandes poetas como Pushkin (1799-1837), Kopyl tem certeza de que a poesia que emana dos seus textos saberá tocar na alma do leitor russo. Até porque a poesia é a linguagem universal do sentimento. E, especialmente, a de Joaquim Pessoa está carregada da palavra lírica na sua mais pura natureza, como garante a professora brasileira Maria Lúcia Lepecki, há muitos anos radicada em Portugal, mais especificamente na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, responsável pela apresentação do livro.

                                                           II

       Poeta, tradutor e artista plástico largamente premiado em seu país, Joaquim Pessoa traz nas veias o percurso da maioria dos intelectuais que começam agora a trilhar a faixa dos sessenta anos: saiu da rebeldia juvenil e dos sonhos da esquerda que idealizavam um mundo mais justo para a sóbria reflexão de que o mundo não depende de nossa vontade e dos nossos sonhos, à qual só se chega depois de levar bastante “porrada” na vida, como diria o outro Pessoa, o Fernando (1888-1935).

            Depois de uma fase em que produziu versos ou poemas em prosa – linhas curtas e longas, reunidas em forma livre – extremamente politizados, que refletem os anos da viragem do fascismo salazarento para a festa do 25 de Abril – que, diga-se de passagem, logo se acomodou aos interesses dos mais endinheirados, como sempre –, Joaquim Pessoa passou a olhar a vida com menos expectativa de mudanças, passando a produzir uma poesia mais reflexiva e menos intempestiva. São daquela época de inflamação juvenil livros como Poemas de Perfil (1974-75) e Poemas da Resistência e Canções de Ex-cravo e Malviver (1978), cujo título bem explica a preferência do autor por palavras e sentidos dúbios e criativos que guardam significados implícitos dentro de sua intertextualidade.

            Com o passar dos anos, obviamente, a ênfase revolucionária e o sarcasmo foram diminuindo, como observa Kopyl no posfácio que leva o título “Livro que veio para ficar”, mas a inventividade não se arrefeceu, como provam os poemas de Amor Combate (1985), que, por isso mesmo, não perderam o frescor da juventude que os colocou para fora. Pessoa tem uma especial predileção por criar palavras, neologismos.

                                                           III

            Para a edição russo-portuguesa, Kopyl escolheu cinco coletâneas poéticas e “um livro-poema inteiro”: Nomes (2001), O Livro da Noite (1982), O Amor Infinito (1983), À Mesa do Amor (1994), Por Outras Palavras (1990) e Vou-me Embora de Mim (2000), o livro-poema de que fala Kopyl e que Maria Lúcia Lepecki definiu como um longo poema dividido em partes – nem tituladas nem numeradas – que constitui um encadeamento de recordações.

                        (...) Apanho um combóio e um barco, viajo para lá do acontecimento

                       que é sentir-me ser de ali. Vou-me embora de mim.

                        Este diálogo não acabou e não acabará nunca. Vou

                        com os camponeses da cidade, feliz como um animal doméstico,

                        por vezes como um cão vadio no inverno, cuja felicidade

                        é apenas atingir a primavera seguinte.

                        Vou com as gaivotas que procuram a vida

                        nas milhares de toneladas de lixo da civilização. Vou também

                        com a dor de todos os massacres e com os missionários confortáveis

                        que querem governar o mundo sem saber governar o próprio estômago.

                        E vou ainda com. E com. E com. E com.

                        E vou ainda.

                                                           IV

            Do mesmo livro é o poema (sem título, como todos) que diz do desencanto da geração nascida nas décadas de 1940 e 1950 que acreditou na construção de um novo mundo e, “entre o sonho e a vontade”, viu se esboroar “os impérios dos que tiveram vontade de sonhar”:

                        (...) Construir o sonho é uma atitude honesta

                        mas edificar a realidade é trabalho para o escravo,

                        do qual o escriba não regista, nem fome, nem suor.

                                                           V

            Joaquim Pessoa – que com Fernando Pessoa não tem nenhum parentesco, a não ser poético – nasceu no Barreiro, do outro lado do Tejo, e naquela cidade operária viveu até os 28 anos de idade. Pratica poesia desde os 12 anos, quando, entusiasmado por sua professora do liceu, passou a escrever composições que, depois, lia para os colegas em classe. Entre os seus autores preferidos àquela época, estavam Bocage (1765-1805), Nicolau Tolentino (1722-1804), Cesário Verde (1855-1886) e António Nobre (1867-1900). Quando chegou à idade adulta, suas leituras migraram para Pablo Neruda (1904-1973), Louis Aragón (1897-1982) e Paul Eluard (1895-1952).

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VOU-ME EMBORA DE MIM, de Joaquim Pessoa, edição russo-portuguesa, com posfácio de Vadim Kopyl, apresentação de Maria Lúcia Lepecki e tradução de Vadim Kopyl, Andrei Rodosski e Veronica Kapustina. São Petersburgo: Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen e Alexandria Publishing & Humanities Agency, 2007, 256 págs. E-mail: vkopyl2002@mail.ru

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).

Um comentário:

  1. Leio com imenso prazer seus artigos e resenhas. Recomendo para meus Alunos.
    Obrigada.Valentina Latiffa

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